A palavra chave é: a DECEÇÃO! Esta ideia de "desilusão", de falsa expectativa que é aplicada à sociedade em geral - principalmente ao consumo desenfreado a que se assiste hoje - é o grande tema tema da "Sociedade da Deceção" de Gilles Lipovetsky - filósofo francês de 71 anos, teórico da Hipermodernidade e autor de vários livros, reflecte sobre o consumo degradado da sociedade, o desinvestimento público, perda de sentido das instituições, etc...
O livro em si é obrigatório de ler, embora não seja uma leitura propriamente fácil, o tema central é sobretudo a deceção dos valores da sociedade, do consumo, da baixa moralidade, de uma sociedade de interesses, de uma individualidade a que se assiste cada vez mais.
Aqui venho ressalvar uma parte que me agradou particularmente nesta leitura e que é abordada em apenas uma das perguntas feitas a Gilles, acerca da vida sentimental.
Eu gosto particularmente de falar neste tema, do amor e dos sentimentos, talvez pelas experiências pelas quais já tenha vivido.
Afinal para ele a palavra deceção pode ser aplicada a praticamente tudo o que se vive no nosso quotidiano.
"Cosideremos o termo deceção: ele também está ligado à vida sentimental.
As nossas grandes desilusões e frustações são muito mais afectivas, sem dúvida, que as políticas ou com a que tem a ver com o consumo.
A estreita ligação do amor com a deceção não tem evidentemente nada de novo.
O que mudou foi a multiplicação de experiências amorosas ao longo da vida..
Não estamos mais desiludidos do que outrora, estamo-lo mais frequentemente.
Como é que a deceção é associada, neste ponto, à vida sentimental?
(...) Já ninguém casa por interesse, só o amor está na base do casal; as mulheres sonham sempre com o princípe encantado e os homens com o amor; continua-se a agir de maneira desinteressada pelos filhos e eles são mais do que nunca acarinhados.
Para muitos de nós, o amor continua a ser a experiência mais desejável, a mais emblemática da "verdadeira vida".
O facto é este: a comercialização dos modos de vida não implica de maneira nenhuma a desqualificação dos valores afectivos e desinteressados.
(...) a valorização do amor é o correlato da cultura da autonomia individual que rejeita as prescrições colectivas que negam o direito à busca pessoal da felicidade.
Com a dinâmica da individualização, cada um quer ser reconhecido, valorizado, preferido a qualquer outro, desejado por si mesmo e não assimilado a um ser anónimo e cambiável.
Se damos muito valor ao amor é, entre outros, porque ele responde às necessidades narcísicas dos indivíduos pendentes da valorização de si como pessoa singular.
Mas o amor que brilha no firmamento de valores segue-se frequentemente inflamadas "deceções".
Surge no momento que que a "cristalização" já não faz efeito, declinando as perfeições e os encantos do que o outro estava ornado.
Que idealização, que sonho pode indefenidamente persistir confrontando com a imperfeição dos seres e com a repetição dos dias?
Descobrimos, pouco a pouco, aspectos do outro, aspectos do outro menos simpáticos e que magoam.
O amor não é únicamente "cego", também é frágil e fugidio.
As pessoas que estão apaixonadas num determinado momento deixam de estar porque os sentimentos não são coisas imutáveis e as pessoas não evoluem de maneira síncrona.
O que era euforia torna-se tédio ou lassidão, incompreensão ou irritação, drama com a sua amargura e, por vezes, ódio.
As separações, os divórcios, os conflitos ligados às crianças, a falta de comunicação íntima, as depressões que podem daí surgir, tudo isto ilustra as desilusões provocadas pela vida sentimental.
Tal como dizia Rosseau:
"Porque o homem é um ser incompleto, incapa de se bastar por si só, tem necessidade do outro para se desenvolver. Mas se a felicidade depende do outro, então o homem está inevitavelmente condenado a uma "felicidade frágil." Colocamos grandes esperanças no outro, mas ele foge-nos, nós não o possuímos, ele muda e nós mudamos. Cada um vê então as suas mais belas esperanças iludidas."
in "A Sociedade da Deceção", de Gilles Lipovetsky
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